Recorte da página do extinto site da UBK (União Brasileira de Killifilia) apresentando uma entrevista tendo por objeto minha (nada modesta) pessoa (Júlio Cezar Ghisolfi – Killiehaven).
Sendo um dos primeiros killiófilos brasileiros, como e quando teve contato com os primeiros killies?
Em meados de 1973, com a aproximação da maioridade plena (21 anos) resolvi me dedicar, seriamente, a manter peixes ornamentais em aquários. Já tivera algumas experiências (geralmente frustrantes) durante a infância e a adolescência e como não mais queria fazer as coisas “inter-femora” (o popular: “nas coxas”, ou seja, de maneira empírica) procurei um livro que me iniciasse nos rudimentos da arte.
Depois de alguma procura, encontrei – em um sebo no bairro da Liberdade – um livro, escrito em castelhano, intitulado Acuarios, Plantas y Pesces de autoria de um aquarista hermano, el senõr Juan Martin de Yanis. Quero lembrar que nessa época as coisas eram muito diferentes de hoje em dia. Não existiam cursos, clubes ou associações em São Paulo (internet, então… Nem em sonho!) e a maior e mais organizada de todas as associações de aquarismo que existiram no Brasil (a ACAPI do Rio de Janeiro) já se encontrava em franca decadência.
Meu cantinho do alpendre, nos primórdios da minha aficção aos peixes ornamentais (circa de 1974). Ainda não tinha killis, mantendo uma variedade de “peixinhos normais”, ou seja, aquários comunitários ou, mais propriamente, fazendo saladas-russas. Fotografia de Orlando Nascimento de Souza.
O livro tinha 335 páginas sendo as espécies de peixes apresentadas segundo suas famílias e embora as informações fossem um bocado simples e desatualizadas (apesar de ser uma edição de 1968) eram de padrão acima da média da literatura nacional então disponível. Mais tarde tive acesso a obras de autores brasileiros (mais ou menos contemporâneos), porém à exceção do Manual do Aquarista Amador de J. V. Buccione Jr. (que, infelizmente, sempre foi obra rara), não chegavam a fazer sombra ao livro argentino.
No entanto, o livro apresentava um problema muito sério porque apesar de profusamente ilustrado, as gravuras eram (para dizer o mínimo) ridículas. Algumas das espécies retratadas pareciam ter sido desenhadas por uma pessoa que nunca viu um peixe na vida e os havia desenhado baseado num relato de uma testemunha míope e alcoolizada. Algumas outras, ao contrário, transformavam um peixe pouco atraente num exemplar digno de figurar em um livro de conto de fadas!
Para minha sorte, ou azar? (e uma das provas que nada na vida é por simples e puro acaso) cerca de uns dois anos depois, encontrei (na saudosa casa Orestes = uma espécie de Agrodora, que se localizava quase em frente à faculdade de direito do largo São Francisco, mais exatamente na esquina onde hoje se encontra a Piccolo Cafeteria) outro livro, este publicado pela editora americana Tropical Fish for Hobbyists (TFH).
Totalmente ilustrado com fotografias (a maioria colorida) o livro Tropical Fishes for Beginners seguia a mesma forma de apresentação dos peixes da obra argentina. Por esse motivo adquiri o livro (apesar de não entender patavina de inglês), pois, finalmente, podia ter uma idéia de como os peixes eram na realidade. Entre as imagens apresentadas figurava uma fotografia colorida de um macho de Nothobranchius rachovii. Já viram né? … Amor à primeira vista!
Cópia de uma das fotografias que ilustram o capítulo destinado aos killifishes no livro da TFH, intitulado Tropical Fishes for Beginners. Esse foi o meu primeiro “dream fish”. Não consta a autoria da foto.
Mostrei a foto para uma meia dúzia de lojistas e os únicos que afirmaram já terem visto aquele peixe (uns 10 anos antes) foram o Takase (que tinha uma loja na frente do aeroporto de Congonhas e era filho do famoso Sigeite Takase, um dos primeiros – senão o primeiro – dos promotores do aquarismo no Brasil) e o “Toninho” do Aquário do Brasil (personalidade que dispensa maiores apresentações).
O Takase aduziu, ainda, que se tratava de um peixe difícil de criar e que durava pouco tempo. É escusado dizer que esse foi um “dream fish” por muitos anos até que o Gilson Gil Mauro trouxe os primeiros da Argentina, quando de sua viagem de núpcias.
Qual o seu killi preferido e qual mais gostou de criar?
Creio que se tiver de escolher fico com o “dream fish”, se bem que tem alguns Nothos, Aphyo, Fundulops (em especial, Fundulopanchax puerzli) e um punhado de SAA que são de fechar o comércio.
É lógico que o que me deram em homenagem tem um lugar especial em meu panteão íntimo e também sou muito grato por ter tido a oportunidade de tentar salvar a Leptolebias splendens (na verdade Leptopanchax sanguineus, na atual classificação) da extinção (aqui também tem uma história – infelizmente nada bonita ou honrosa, em especial para algumas pessoas que posam de preservacionistas e < detalhe que considero “sobejamente interessante” > só o são da boca para fora e ainda se dão ao desplante de menosprezar os aquaristas! – que também espero contar um dia!).
O primeiro encontro com um killi (ao vivo e em cores) na Natureza se deu na barra de um regato em plena praia da enseada no Guarujá em 1979. Tratava-se de uma fêmea de Rivulus santensis (essa história eu ainda conto algum dia) de uma suave coloração abóbora-alaranjada e dorso sarapintado de manchinhas marrons.
Os primeiros killies que reproduziram em casa foi um casal de Epiplatys dageti monroviae comprados (1980) em uma loja chamada Guppy, situada na rua Tijuco Preto nº 173, nas proximidades da praça Silvio Romero, bem perto da casa do Paulo Canaes. Em 1981 esses panchax foram seguidos por Fundulopanchax nigerianum pop. Akure adquiridos (em parceria com Neuler Motta Peçanha), do criador Carlos Pietro-Paolo Neto (Carlão). Daí ferrou… O bichinho do hã-hã tinha pego pra não largar mais!